A partir da escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, a prefeitura da cidade, setores da mídia, políticos e especialistas começaram a afirmar que os jogos serão oportunidades para trazer investimentos para a cidade e assim enfrentar problemas de mobilidade urbana, recuperação de áreas abandonadas para a construção de habitações, fomento do turismo e do comércio. Mas o que se constata no“Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro” é que as Olimpíadas e a Copa de 2014 estão sendo usadas como justificativa para a propagação do desrespeito aos direitos humanos e, em especial, o direito à cidade.
A publicação, produzida pelo Comitê Popular Copa e Olimpíadas Rio, com apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos e da Fundação Heinrich Böll, foi lançada em um evento no dia 14 de maio, no Rio, e está disponível. O dossiê é dividido em oito temáticas: moradia, mobilidade, trabalho, esporte, meio ambiente, segurança pública, informação e participação e orçamento e finanças.
Segundo os autores, a publicação “pretende mobilizar os movimentos populares, sindicatos, organizações da sociedade civil, defensores dos direitos humanos, cidadãos e cidadãs comprometidos com a justiça social e ambiental, a se somarem ao Comitê Popular na luta por um outro projeto olímpico, resultado do debate público e democrático, com a garantia de permanência de todas as comunidades e bairros populares situados nas áreas de intervenção em curso. Um projeto que respeite o direito ao trabalho, de modo que os trabalhadores não sejam punidos por comercializarem no espaço público. Um projeto em que o meio ambiente seja efetivamente preservado. Um projeto no qual não existam privilégios aos grandes grupos econômicos, e os custos privados sejam pagos com capitais privados, não com recursos públicos.”
De acordo com Orlando Santos Junior, um dos responsáveis pelo Observatório das Metrópoles, a publicação é fruto de um trabalho coletivo que segue a iniciativa da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop) que produziu um dossiê nacional no final de 2011, também em parceria com a Fundação Heinrich Böll. Orlando afirmou que o está acontecendo faz parte de um projeto de cidade no qual quase 3.000 famílias já tiveram que deixar suas casas para morar em áreas afastadas de serviços públicos de qualidade. Este número pode chegar a quase 11 mil famílias expulsas, pois há 7.800 famílias correndo risco de despejo.
Vozes dos Impactados:
O evento de lançamento contou com relatos de cinco mulheres e um homem de comunidades afetadas pelas mudanças deste novo projeto de cidade, justificado pela Copa e Olimpíadas. Como no dossiê, as falas retrataram denúncias do processo de violação do direito à moradia e do desrespeito das autoridades aos direitos dos cidadãos de terem acesso à informação e de participarem dos processos decisórios. Além disso, os depoimentos também mostraram como estão acontecendo os processos de re-localização das populações pobres na cidade, que responde a interesses da especulação imobiliária e oportunidades de negócios.
Para Vitor Lira, membro da Comissão de Moradores do Pico do Santa Marta, favela da zona Sul que teve a primeira Unidade de Polícia Pacificadora(UPP) instalada em 2008, “a casa está sendo arrumada, mas não para os próprios donos”, afirmou, se referindo as mudanças que ocorreram na favela com a chegada da UPP. Vitor está sendo ameaçado de remoção: “Há 150 casas no Pico. Os governos estadual e municipal alegam que a área é de risco, mas pedimos uma análise de um engenheiro que produziu um contra laudo. Querem a parte de cima do morro por motivos mercantis e turísticos. Lá já acontecem festas que custaram R$ 150,00 por pessoa. O morador não vai. Isso é integração?” questionou.
No caso de Rosilene Gonçalves e Antonieta Rodrigues, a remoção deixou de ser ameaça para se tornar concreta. Rosilene é mãe de três filhos, o jogador de vôlei Ravel Mendonça, 17 anos; um de 18 anos, portador de necessidades especiais; e um de seis anos. Rosilene era moradora do Largo do Tanque, comunidade removida para a construção da Transcarioca. Ela contou que recebeu ameaças e foi bastante desrespeitada para aceitar a remoção. A família permaneceu na área em meio aos escombros durante mais de um mês, mas acabaram tendo a casa demolida em março. A família está morando na casa de amigos, uma hora distante do tratamento do filho e da escola do mais novo.
Antonieta Rodrigues também é uma das impactadas pelas remoções. Ela deixou a casa no Largo do Campinho para uma das unidades do Programa Minha Casa Minha Vida, em Cosmos, zona Oeste. Os conjuntos habitacionais oferecidos pelo Programa são voltados para famílias com rendimentos de até três salários e na maioria dos casos, não estão nos locais beneficiados com investimentos para os Megaeventos. As novas moradias localizam-se nas áreas periféricas da cidade que possuem pouco acesso aos serviços públicos e infraestrutura urbana de qualidade.Hoje, Antonieta passou a sofrer com ameaças da milícia que controla a região, mas disse que continua na luta para alertar outras comunidades sobre as falsas promessas do poder público.
Outro caso exposto, foi o das ameaças de remoção dos moradores do Horto, zona Sul do Rio. Apesar da causa do conflito não estar diretamente ligada às obras dos megaeventos, segundo especialistas, o caso faz parte do modelo de transformação que a cidade está sofrendo. Emília Maria de Souza afirmou que a comunidade está vivendo uma atrocidade. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) produziu um estudo com a participação da comunidade, no qual nenhuma família seria removida e a regularização fundiária seria executada. Utilizando-se da desculpa de expansão do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, anunciou, no dia 7 de maio, que a área ocupada pela comunidade passa a ser parte do InstititutoInstituto. Quinhentas e vinte famílias devem ser removidas. Cumprindo decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério do Meio Ambiente oficializou a área do Instituto em 132,5 hectares.
Também tiverem espaço no evento, narrativas positivas de resistência às remoções. Maria do Socorro da comunidade de Indiana e Maria Zelia Dazzi da Vila Arroio Pavuna contaram que há anos sofrem ameaças de remoção, mas que a mobilização coletiva fez com que a maioria dos moradores não precisasse deixar as casas.